O carregador

Desci na estação general osório, pela saída do complexo. Num carro, um pancadão estourava os autofalantes, me lembrou Irajá em plena Ipanema, gostei. Andei em direção à praia, na mesma calçada, um menino de uns 12 ou 13 anos vinha ao meu encontro. Seu jeito de andar era autêntico, passos firmes, ombros dançantes, rosto fechado. Aliás, nem tão autêntico assim, replicava um pouco o jeito da figura do malando ao mesmo tempo em que expressava ameaça. Ele queria ser despojado e temido, talvez para se livrar de um provável bote, pois na cadeia alimentar social, ele sabe bem onde se encontra. Daquelas ideologias do abandono do "não tenho nada a perder". Ainda falava sozinho, bravejava num tom não muito alto, palavras incompreensíveis. 
Não tive medo, como já senti algumas vezes de meninos como ele, fiquei apenas analisando sua postura e tentando extrair o sentido daquilo tudo. 

Era óbvio: sobrevivência.

Pessoas desviaram dele. Pessoas brancas, moradoras da parte de baixo do bairro? Não sei se moradoras, mas aparentavam. Ele passou em frente ao hortifruti. Na porta, uma mulher em seus 50 e tantos, gorda, negra, estava parada com duas sacolas cheias. Assim que o menino passou, ela entendeu ser uma oportunidade, o que para muitos soaria como perigo. Gritou: "Oh menor! Ajuda 
a tia aqui carregar as bolsas." Naturalmente ele atendeu ao chamado: ele era o menor. Virou, voltou uns passos e, ainda falando sozinho, pegou uma das sacolas e pôs no ombro. Olhou para ela, ali houve cumplicidade. Nem aquela mulher sofreria ao carregar duas sacolas, nem aquele menino seria invisível ou desprezado. Ela continuou "vamo até ali a ladeira...". Eu já estava um pouco distante, não queria olhar para trás e participar da conversa alheia, preferi respeitar o espaço deles, como respeitaria de qualquer outra pessoa desconhecida, em qualquer outro diálogo não opressor como este. Mesmo o mundo por medo desviando daquela criança, quando cruel, desprezando sua existência,?aquela mulher confirmou pra ele sua humanidade e, provavelmente, na despedida ainda lhe deu uns trocados.

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